Nos
meus tempos de infância, assisti, incontáveis vezes, o meu pai preparando a
terra para o plantio. Tão logo caía a primeira chuva, lá estava ele, revirando
a terra, deixando-a pronta para as novas sementes. A terra, antes de ser arada,
era submetida à queima por ser a forma mais rápida e eficaz de deixá-la limpa.
Após todo esse processo, vinha a fase do plantio, na qual eu também
participava, depositando as sementes nas covas e tampando-as com os pés
descalços. Alguns dias depois, os brotos surgiam das covas, a coisa mais linda
de se ver, juro que aquilo me deixava encantada.
Ficava
claro ali, diante dos meus olhos, a vida nascendo do caos. A terra que teve
toda a sua vegetação destruída pelo fogo, estava ali nos presenteando com novas
vidas em forma de mudas que, em breve, trariam o alimento para toda a nossa
família. O que, meses antes era só o carvão, transformava-se em uma linda
paisagem, tudo verdinho, cheio de brotos e naquela atmosfera encantadora de
resiliência e fertilidade. A terra parecia gritar: tentaram me destruir, porém,
ressurgi mais fértil ainda. E a ‘vingança’ dela pelo sofrimento oriundo da
queima, e dos cortes pelas lâminas de uma enxada era a oferta de alimentos dali
a poucos meses. Então, nessa experiência do plantio, é plenamente possível
extrair dois ensinamentos que podemos trazer para a nossa condição humana: a) é
possível nos tornamos mais fortes e férteis após um grande sofrimento (analogia
com a queima da terra); b) podemos optar por devolver, a quem nos feriu, o que
temos de melhor, ao invés de nos vingarmos (a terra devolveu alimentos a quem a
queimou).
Traçando
um paralelo da condição humana com a natureza, é possível, sim, perceber que
também somos dotados desse poder de resiliência e superação. Podemos sair mais
fortalecidos das circunstâncias que agem como um arado em nossa alma. Podemos,
sim, florescer após grandes dores, decepções e golpes dolorosos da vida. Tudo é
uma questão de escolha, cabe a cada um de nós decidir o que fazer com aquilo
que chega em nossas mãos e em nossas vidas. Em muitas situações, experimentamos
a sensação de ter a alma incendiada e transformada em cinzas, então, caberá a
nós, a decisão de transformar essas cinzas em adubo nutritivo para germinar
novas sementes, ou simplesmente permitir que a esterilidade venha assumir o
lugar da vida. Podemos ser um manancial ou um deserto, a escolha está em nossas
mãos.
A
natureza é uma grande e sagrada escola, as lições estão em todos os lugares
possíveis, basta a sensibilidade para enxergar, aprender e praticar. Cada um de
nós carrega uma infinidade de sementes ávidas por germinar em forma de amor,
solidariedade, perdão, superação, amizade, compaixão, caridade e etc.,
entretanto, por vezes, falta a disposição do dono das sementes para plantá-las
num terreno devidamente preparado, bem como faltam a coragem e a paciência para
cuidar delas após o plantio.
A
nossa alma, ainda que machucada, não perde as condições de fertilidade e
renovação. As sementes da resiliência são preservadas num recôndito intocável,
prontas para germinar, brotar, crescer, florescer e frutificar no tempo certo.
É possível, sim, sairmos mais fortes, inteiros e férteis após uma grande dor,
eu aprendi isso percebendo que uma terra queimada transforma cinzas em verde,
alimento e vida.