Sofrer
é como experimentar as inadequações da vida, e elas estão por toda parte. São
geradas pelas nossas escolhas, mas também pelos condicionamentos dos quais
somos vítimas. Sofrimento é destino inevitável, porque é fruto do processo que
nos torna humanos. O grande desafio é saber identificar o sofrimento que vale a
pena ser sofrido.
Perdemos
boa parte da vida com sofrimentos desnecessários, resultados de nossos
desajustes, precariedades e falta de sabedoria. São os sofrimentos que nascem
de nossa acomodação, quando, por força do hábito, acostumamo-nos com o que
temos de pior em nós mesmos.
Perdemos
a oportunidade de saborear a vida só porque não aprendemos a ciência de
administrar os problemas que nos afetam. Invertemos a ordem e a importância das
coisas. Sofremos demais por aquilo que é de menos. Sofremos de menos por aquilo
que seria realmente importante sofrer um pouco mais.
Sofrer
é o mesmo que purificar. Só conhecemos verdadeiramente a essência das coisas à
medida que as purificamos. O mesmo acontece na nossa vida. Nossos valores mais
essenciais só serão conhecidos por nós mesmos se os submetermos ao processo da
purificação.
Talvez,
assim, descubramos um jeito de reconhecer as realidades que são essenciais em
nossa vida. É só desvendarmos e elencarmos os maiores sofrimentos que já
enfrentamos e quais foram os frutos que deles nasceram. Nossos maiores
sofrimentos, os mais agudos. Por isso se transformam em valores.
O
sofrimento parece conferir um selo de qualidade à vida, porque tem o dom de
revesti-la de sacralidade, de retirá-la do comum e elevá-la à condição de
sacrifício.
Sacrifício
e sofrimento são faces de uma mesma realidade. O sofrimento pode ser também
reconhecido como sacrifício, e sacrificar é ato de retirar do lugar comum,
tornar sagrado, fazer santo. Essa é a mística cristã a respeito do sofrimento
humano. Não há nada nesta vida, por mais trágico que possa nos parecer, que não
esteja prenhe de motivos e ensinamentos que nos tornarão melhores. Tudo depende
da lente que usamos para enxergar o que nos acontece. Tudo depende do que
deixamos demorar em nós.
Spinoza
escreveu: “Percebi que todas as coisas
que temia e receava só continham algo de bom ou de mau à medida em que o ânimo
se deixava afetar por elas”. O filósofo tem razão. A alegria ou a tristeza
só poderão continuar dentro de nós à medida que nos deixarmos afetar por suas
causas. É questão de escolha. Dura, eu sei; difícil, reconheço, mas ninguém nos
prometeu que seria fácil.
Se
hoje a vida lhe apresenta motivos para sofrer, ouse olhá-los de uma forma
diferente. Não aceite todo esse contexto de vida como causa já determinada para
o seu fracasso. Não, não precisa ser assim.
Deixe-se
afetar de um jeito novo por tudo isso que já parece tão velho. Sofrimentos não
precisam ser estados definitivos, eles podem ser apenas pontes, locais de
travessia. Daqui a pouco, você já estará do outro lado, modificado e
amadurecido.
Certa
vez, um velho sábio disse ao seu aluno que, ao longo de sua vida, ele descobriu
ter dentro de si dois cães: um bravo e violento; outro manso e muito dócil.
Diante daquela pequena história, o aluno resolveu perguntar: “Qual é o mais forte?”. O sábio
respondeu: “O que eu alimentar”. O
mesmo se dará conosco na lida como os sofrimentos da vida. Dentro de nós haverá
sempre um embate estabelecido entre problema e solução. Vencerá aquele que nós
decidirmos alimentar.
Padre
Fábio de Melo