Vejo
inúmeras pessoas dizendo que estão fartas de relacionamentos furtivos – ou de
ficar sozinhas – e que tudo o que mais desejam é namorar.
Sempre
que escuto isso, penso: será que essa pessoa quer namorar ou viver um grande
amor? Porque pode existir diferença, sim, entre essas duas coisas.
Claro
que existem namoros que surgem de grandes amores (ou os promovem), porém muitos
deles são baseados na simples necessidade de ter alguém ao lado para amenizar a
solidão, para o desfrute de uma boa companhia, para jantar, viajar, ir ao
cinema, atender as convenções sociais, manter certa regularidade (ainda que
morna) sexual.
Mas
a vida, meus caros, como não me canso de dizer, é uma dama caprichosa: ela nos
dá o que achamos que merecemos. Ou melhor, o que achamos que queremos.
Eu,
particularmente, sempre quis viver grandes e arrebatadores amores e,
felizmente, fui (sou) presenteada com muitos deles. No entanto, para se viver
um grande amor é preciso um bocado de coragem (e sorte!). É preciso ter
namorado muito, muito, muito – e por muito tempo – consigo mesmo.
Somente
depois de ter se apaixonado pelos próprios erros e qualidades, ter se
desiludido com as próprias falhas, ter rompido consigo mesmo em rompantes de
raiva e depois ter se reconciliado; somente depois de ter achado charmosos os
próprios defeitos, ter dado boas gargalhadas do disco da Shakira em meio aos da
Billie Holiday e ter odiado a maneira como se comportou naquela situação X;
somente depois de ter se colocado para fora de casa, de ter praguejado o dia em
que nasceu, ter achado as próprias roupas cafonas e a imagem embaçada no
espelho tenebrosa e ter se perdoado por tudo e por nada; somente depois de ter
se dado trégua é que abrimos caminhos para um grande amor.
Ou
seja, somente depois atravessar esse mar de fogo – viver um namoro complexo e
pulsante consigo mesmo, com todas as etapas de um relacionamento – estamos
aptos a viver, ou melhor, a experimentar e partilhar a alegria de um grande
amor.
Quem
nunca namorou consigo mesmo jamais viverá um grande amor. Pode até se deliciar
com paixões instantâneas, mas um grande amor, duvido.
Quem
não conhece a própria dor não pode (não sabe) como acolher a dor do outro. Quem
nunca enfrentou a solidão, encarando-a nos olhos, é incapaz de ofertar conforto
e amparo. Quem nunca se perdoou por suas falhas jamais perdoará as alheias. Quem
nunca conseguiu se aceitar não é capaz de aceitar outrem – e sem aceitação não
existe amor.
O
amor, o amor de verdade, só acontece quando damos mais do que temos. Quando
ultrapassamos nossos limites, quando sentimos medo, porém continuamos; quando
entendemos que podemos viver sem o outro, mas escolhemos sua companhia; quando
entendemos que ninguém pertence a ninguém e que ninguém está no mundo para
atender a nossas necessidades e expectativas e que o ciúme não é sinal de amor
ao outro, mas de autopreservação, ou seja, amor-próprio (leia: egocentrismo,
egoísmo); quando deixamos de sentir a diferença como ameaça e passamos a
desfrutar da possibilidade de crescimento que ela proporciona; quando aceitamos
e acolhemos o outro em suas faltas do mesmo modo que desejamos ser aceitos e
acolhidos; quando morremos juntos para o que fomos e para o que poderíamos ter
sido e nos dissolvemos num só corpo, num só gozo, em pleno abandono.
Abandono.
Essa palavrinha parece não combinar com o amor, não é? Todavia, o amor só é
possível quando praticamos o abandono – inclusive e principalmente de velhas
crenças acerca de nós mesmos e do mundo.
Somente
depois de termos aprendido esses movimentos é que a nossa terra estará arada
para sorver o delicioso fruto chamado ‘grande amor’.
Dia
desses li por aí: “amor não é aquilo que
te deixa em paz, calmo, feliz e tranquilo; o nome disso é Rivotril” – ou,
acrescentaria, “um simples namoro”.
Não
existe amor sem crescimento, sem expansão, sem abandono, sem mudança, sem medo.
E mudar dói. Requer coragem. Amar bagunça a vida, não tem jeito. Namorar, só
por conveniência, às vezes ajeita. Não existe certo, nem errado, trata-se
apenas de uma escolha.
Portanto,
cuidado com o que deseja, porque seu pedido pode se realizar: você deseja
(somente) namorar ou viver um grande amor?
Lembrando
que: é preciso ter se perdido de si umas não sei quantas mil vezes para se
perder na estrada de um louco, grande e lindo amor.
Seja
lá para que lado for, vá na fé! E boa sorte!
Via: Conti Outra