Eu
sou dessa gente que anda só. Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e
você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade.
Não consigo, não dá.
Minha
bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha
esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no
guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo
tenho de soltar. Não por nada. É só para não me esborrachar no chão. E
acredite: se eu não largar a sua mão, você vai cair também.
Acontece
sempre. Vira e mexe, meu balão excede a capacidade de carga e começa a descer.
É quando você deve pular de volta para o seu. Só assim, você aí, eu aqui, cada
um de nós em seu próprio balão, ganharemos o céu de novo. Subiremos para além
das nuvens, acima das tempestades e turbulências, onde o ar é raro, mas é feito
para quem aprende a respirar devagar e sempre.
Lá
em cima, o céu do dia é azul, azul que dói. O sol é franco, o vento é calmo e o
silêncio é doce e bom. À noite, é tanta estrela mais perto que a gente aprende
a olhar aos pouquinhos.
E
tem a lua enorme comandando as marés aqui embaixo, inspirando os amantes,
fazendo a festa de quem sonha como você e eu.
Cá
embaixo, meu barquinho estreito, frágil, não suporta mais de um por muito
tempo. Qualquer elemento novo é capaz de virá-lo de pronto. Iríamos os dois
para a água. Daqui, no leme grosseiro da minha embarcação solitária, olho para
cima com ares de nostalgia. Sou criatura das rodas gigantes, dos teleféricos e
montanhas russas. Sonho com as alturas e o silêncio. Sou dessa gente que anda
só.
Ouviu?
A voz da moça no aeroporto anuncia a hora do voo. Última chamada. Passageiros
com destino ao logo mais, embarque imediato no primeiro portão aberto. Meu
avião já está ali, pousado, me esperando com a perfeição e a generosa
complexidade dos aviões de papel. Mas só cabe um.
Não
é por mal. É por defeito de nascença. Eu sou dessa gente que anda só. Gente
rarefeita, imperfeita, escassa e com tão pouco para dar. Vou, vamos, aos
pouquinhos, com o vento farto e os amigos raros, cada um em sua bicicleta sem garupa,
seu balão instável, seu barquinho pessoal e intransferível, sua aeronave de
jornal.
Assim,
voando sós por aí, você e eu nos encontramos um dia. Assim haveremos de nos
reunir. Livres, fortes, seguros. Donos de nossas embarcações, acima das
imposições, das cobranças e dos pesos da vida burocrática e normativa de ontem,
de hoje e de amanhã. Felizes no leme de nossos destinos. Porque temos nada
senão a mais sincera incapacidade. Porque somos dessa gente que anda só.